quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Texto de Rosângela Venturi para a revista Cachoeiro Cult

Sangue e Rosa

e ainda uma tal Fita Amarela



Melancólico, poético, delicado, instigante, envolvente. O curta “Sangue e Rosa”, de Diego Scarparo e Henrique Gomes, cabe nesses e em muitos outros adjetivos. Mas é a inusitada mistura de substantivos concretos e abstratos, como mulatas e vampiros (vampiros seriam, de fato, uma abstração?) que enreda o espectador e o transporta para um tempo-espaço onírico e perturbador.


Ambientado numa atmosfera noir, o filme revela a mirabolante saga do Conde Orlok, um vampiro soturno (como soturnos são todos os vampiros que se prezam), que cruza um oceano e passa décadas à deriva na vã esperança de encontrar a desejada Mina.


Entre uma mordida e outra, o sinistro Nosferatu aporta desavisadamente na Rio de Janeiro dos anos 30 e se vê fisgado, em definitivo, pela malemolência de uma misteriosa mulata. E o que tem Noel Rosa a ver com isso? As respostas (ou mais perguntas) podem estar na origem e inspiração de uma das mais conhecidas e bonitas composições do gênio, “Fita Amarela”. Mas isso o espectador vai descobrir sozinho.


Eis o dito, o imediatamente palpável. Um argumento mirabolante, ancorado num roteiro bem arquitetado e no uso de uma linguagem que contribui para ampliar a mítica em torno de Noel e sua “Fita Amarela”.


Mas Sangue e Rosa oferece bem mais. Seria uma perturbadora provocação sobre a solidão e o conceito de imortalidade?Afinal os vampiros metaforizam como nenhuma outra criatura a condição definitiva da qual não se pode escapar, que é a de ser absolutamente só, ad eternum.


Impossível não se encantar com a busca insana do Conde por sua idealizada Mina, por sua infrutífera tentativa de conquistar a sensual mulata, por seu esforço permanente de escapar do espectro de si mesmo.


Nesse sentido ouso estabelecer um diálogo com o poema “Notícia”, da não menos soturna poeta Orides Fontela, que provavelmente tenha se alimentado de sangue, quem sabe ao som de algum samba do Noel.

“Não mais sabemos do barco

mas há sempre um náufrago:

um que sobrevive

ao barco e a si mesmo

para talhar na rocha

a solidão”

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